Rio Demos – Nirvana
Rio Demos - Rio de Janeiro, dias 19, 20 e 21 de Janeiro de 1993
Entre os dias 19 e 21 de Janeiro de 1993, o Nirvana aproveitava uma pausa entre os shows do Hollywood Rock para trabalhar. O album In Utero seria gravado logo, então, eles reservaram algumas horas nos estúdios da BMG Ariola, no Rio de Janeiro, para começar a preparar o disco. O texto abaixo, da revista Rolling Stone, conta um pouco como foram esses três dias de ensaios gravados:
"A maior banda do mundo em 1993 chegou com uma comitiva relativamente pequena ao estúdio BMG-Ariola, no Rio de Janeiro, naquele dia 19 de janeiro. Dois seguranças brasileiros razoavelmente fluentes em inglês cercavam Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl, o Nirvana. Courtney Love e a recém-empossada baterista do Hole, Patty Schemel. Eram constantes apêndices do grupo completado pelo produtores Ian Beveridge e Craig Montgomery. O carioca Dalmo Belloti, hoje também produtor e compositor, foi escalado pela gravadora para ser o engenheiro de som daquelas sessões. Durante três dias, os trabalhos se iniciavam à tarde, às 16h, e duravam até a madrugada. Nos intervalos, enquanto Grohl e Patty conversavam sobre o instrumento que tocavam em comum, Cobain levava Courtney para o estúdio número 1 e deitavam la por horas. 'Talvez estivessem dormindo', sugere Belloti."
A dinâmica do Nirvana é traduzida por três estereótipos: 'o quietão', Kurt Cobain, 'o cara normal', Krist Novoselic, e 'o brincalhão', Dave Grohl. Era Cobain quem comandava o processo, ainda que com frases curtas e pouco espaço para diálogo. 'Vamos tocar mais uma?', dizia o vocalista e guitarrista ao ouvir algumas demos registradas ali, sentado no chão em um canto distante da mesa de som Neve 1073. O Nirvana fez questão de gravas as demos em 24 canais, em fitas de 2 polegadas. Belloti lembra de ter estranhado tamanho preciosismo. Ele não sabia que, ao final daqueles três dias de gravações, a banda pediria para levar embora os oito rolos com mais de 20 horas de material. Belloti também não imaginava, mas ali começava a ser gerado In Utero, o derradeiro disco do grupo.
O Nirvana estava no Brasil para duas apresentações tão lendárias quanto displicentes, nos dias 16 de janeiro, no Estádio do Morumbi, e 23 do mesmo mês, na Praça da Apoteose, dentro do extinto festival Hollywood Rock. 'Era como se fosse a Beatlemania', conta Patty. 'Para entrar e sair dos lugares, precisávamos ser escoltados pelos policiais.
Nesses shows, foram apresentados pela primeira vez rascunhos do que estaria em In Utero, como 'Heart-Shaped Box' – primeiro single do álbum ainda inédito –, tocado ao vivo e registrado também no estúdio BMG-Ariola. Uma das versões testadas pelo trio naqueles três dias de experimentos no Rio chegou a ser lançada na caixa With the Lights Out, juntamente com 'I Hate Myself and I Want to Die', 'Milk It', 'Moist Vagina', 'Gallons of Rubbing Alcohol Flow Through the Strip' e 'The Other Improv'. Steve Albini, produtor de In Utero, recebeu aquele material bruto para se familiarizar com as faixas que ajudaria o Nirvana a gravar. Canções que entraram no álbum, como 'Heart-Shaped Box' e 'Milk It', sofreram poucas alterações perto do que foi gravado por Belloti meses antes. 'No Rio, as músicas ainda não tinham títulos. Eram um esboço do que se tornaria In Utero', relembra Patty. 'Tudo estava bem ensaiado por causa da pré-produção e das demos no Rio de Janeiro', conta Albini, surpreso ao perceber o quão bem preparado estava o grupo quando chegou ao Pachyderm Studio, em Cannon Falls (Minnesota). 'A performance era mais confiante no disco', compara.
A mesa de som Neve 1073 do estúdio carioca chamou a atenção de Ian Beveridge e Craig Montgomery. Meses depois, quando o Nirvana já estava de volta aos Estados Unidos, a sede brasileira da BMG recebeu uma proposta: US$ 1 milhão pela mesa, conforme recorda Belloti. A venda nunca aconteceu. Anos mais tarde, Dave Grohl dedicaria boa parte de seu documentário, Sound City, para louvar uma mesa de som da mesma marca – da qual hoje ele é dono. E foi usando esse equipamento que os remanescentes do Nirvana fizeram uma rara reunião em estúdio – com uma pequena ajuda de Sir Paul McCartney – para gravar a faixa 'Cut Me Some Slack'.
Mas os fãs do Nirvana podem sentir como as gravações cariocas funcionaram até mesmo na versão final de In Utero: 'Gallons of Rubbing Alcohol Flow Through the Strip', um improviso de 7 minutos que esparrama distorção e os murmúrios de Cobain, saiu pronta do Rio e se tornou a faixa bônus da versão internacional do disco (a mesma que saiu no Brasil). Na metade da faixa, o cantor pergunta 'Mais um solo?' antes de gritar e voltar a se perder pelas cordas da guitarra. Belloti, por sua vez, nunca recebeu os créditos por aquela gravação. Na época, ele trabalhava para a BMG e, por 'saber se virar melhor no inglês', era sempre o escolhido quando artistas estrangeiros queriam usar o estúdio. Para ele, aquelas sessões eram mais ensaios do que qualquer outra coisa.
Difícil de ser encontrado, longe da mídia e quase um anônimo na internet, Dalmo Belloti atualmente possui créditos de músicas em parceria com Latino, como 'Festa no Apê'. 'Eu não ligo muito para isso, entende? Eles simplesmente pediram as fitas com as gravações e eu dei. Afinal, era o Nirvana', ele diz. As gravações não aconteceram ao acaso. 'Eles sabiam o que estavam fazendo', diz Patty.
O produtor também se lembra claramente da mania de Cobain em beber café preto sem açúcar. 'Eu não entendia o que ele falava, ele dizia: ‘Just black’. Eu não conhecia essa expressão', conta, rindo. O astro também pareceu feliz ao experimentar os biscoitos disponíveis no estúdio. Com exceção disso, Cobain se recolhia a si mesmo. Courtney mal falava durante o período em que a banda esteve gravando. Mais agitada era Patty Schemel, que grudou no brincalhão Grohl. 'Era como se ela estivesse vendo um ídolo ali', relembra o brasileiro. Ela responde: 'Eu tinha ficado impressionada com o início de uma das músicas, aquela bateria: ‘bum-bum-ti-bum-bum-bam’.', conta a baterista, imitando o começo de 'Scentless Apprentice'. O sorriso largo de Grohl destacava ainda mais a introspecção de Cobain. 'O Dave batucava nas minhas costas', continua Belloti. No último dia no estúdio, o baterista entregou ao engenheiro fotografias recém-reveladas que registravam aqueles momentos, como uma na qual a calcinha de Courtney aparecia enquanto ela se esparramava no chão com o vocalista. 'Essa eu perdi, porque enviei para um grande jornal, anos atrás, e nunca me devolveram', ele conta.
Cobain não deu indícios do que viria a acontecer em 1994, quando se suicidou. Para Belloti, parecia ser apenas um sujeito quieto, mas afável. A presença de Courtney, ele analisa, também teria funcionado como um inibidor da personalidade do líder. Mesmo que a passagem pelo Brasil tenha evidenciado um artista rumo à autodestruição, com notícias de abusos de drogas e festas loucas, Cobain era bastante centrado no estúdio. 'Se houve o uso de drogas, foi escondido', diz o produtor.
'A bebida era água mineral e café'. O mundo poderia estar atrás deles, mas, naquele estúdio escondido em Copacabana, o Nirvana parecia estar em paz.
As bases foram gravadas em duas semanas; quase todos os vocais de Kurt Cobain foram registrados em fita em um total de sete horas. Se In Utero é um disco nascido de uma enorme crise – em grande parte a guerra pessoal de Cobain contra a sufocante onda de sorte que tomou a vida dele – foi, por outro lado, feito com um propósito concentrado. A produção quanto-mais-corrosiva-melhor de Steve Albini não é a mais indicada em faixas mais cadenciadas, de vários níveis de dramaticidade, como 'Pennyroyal Tea'. Mas o toque ácido do produtor caiu perfeitamente bem no extremismo com que Cobain já havia composto petardos como 'Serve the Servants', 'Scentless Apprentice' e 'Very Ape'. Na tristeza iluminada do violoncelo de 'All Apologies' e 'Dumb', Cobain também deixava claras suas enormes necessidades e diminutas expectativas de satisfação. No fim, o vocalista se provou incapaz de escapar do pânico que o cercava; em vez disso, transformou seus temores em uma arte furiosa e de primeira qualidade."
Ouça "In Utero - Rio Demos":
"Onward Into Countless Battles" (Dave Grohl solo)
Uma outra musica, mas que não lembra em nada o som do Nirvana, também foi gravada. Por muito tempo ela ficou conhecida somente como “Meat” ou “Dave’s Meat Song” (algo como “A canção ‘Carne’ do Dave” – fazendo referencia a letra). A musica com rifffs thrash-metal foi toda tocada por Dave Grohl (guitarra, baixo e bateria) e Kurt Cobain fez os backing vocals.
Reza a lenda que enquanto estavam no Brasil, Dave, Kurt, Krist e a equipe do Nirvana foram a um rodízio em uma churrascaria do Rio. Dave teria “mandado ver” em tudo o que o garçom lhes levava para a mesa. Depois de se empanturrar, eles foram para os estúdios da BMG, onde alguém ouvia “Onward Into Countless Battles” da banda de death-metal sueca UNLEASHED. Dave resolveu fazer uma paródia da musica, falando basicamente sobre carnes; camarão, vitela, bife sangrento…
Em 2004 Adam Kasper mixou a musica sem os vocais. Um vídeo com imagens da banda em estúdio foi feito com essa musica de fundo (assim como com “Seasons In The Sun”). O resultado foi Você confere abaixo:
Você também pode encontrar a “Canção de Dave” no DVD do box “With The Lights Out”, lançado em 2004.
O Hole de Courtney Love também gravou demos no Rio
No ultimo dia do Nirvana no estúdio da BMG Ariola, no Rio de Janeiro, 21 de Janeiro de 1993, aconteceu uma sessão reservada pela banda de Courtney Love, o Hole.
Na sessão eles trabalhavam em faixas como “I Think That I Would Die”, “Miss World”, “The Only Rape I Know” e “Closing Time”.
A equipe era a mesma que trabalhou nas sessões do Nirvana no mesmo estúdio; Craig Montgomery como produtor, Ian Beveridge como engenheiro de som e Dalmo Belloti de assistente. Courtney Love (vocal e guitarra) e Patty Schemel (bateria) tiveram a ajuda de “Big” John Duncan (no baixo) e Kurt Cobain (baixo e backing vocals). Era apenas um “ensaio” para o álbum, mas há quem diga que tudo tenha sido feito pelo Nirvana.
Teorias a parte, “Closing Time” é um dueto Love/Cobain (ou Kurtney, como o casal era conhecido). O Hole mais tarde a executou em várias ocasiões, incluindo seu MTV Unplugged. Ela é conhecida também como “Drunk In Rio”, “Closing Soon” ou “It’s Closing Soon”.
Em “Miss World”, Kurt toca baixo.
A canção foi lançada pelo Hole em uma compilação de raridades de 1997, My Body, The Hand Grenade. Ouça “Closing Time/Drunk In Rio”:
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