Entrevista com Dave Grohl – O Estado de São Paulo (14 de Janeiro de 1993)
Uma entrevista com Dave Grohl foi publicada na edição do dia 14 de Janeiro de 1993 no Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo. Dave falava por telefone (assim como fez Krist Novoselic para o Jornal do Brasil) com o jornalista Marcel Plasse e contou um pouco sobre a expectativa do show no Hollywood Rock:
O acelerado baterista do Nirvana é uma figuraça e diz que o grupo quer se reabilitar na apresentação de sábado , no Morumbi, do diasco do espetáculo na Argentina.
Dave Grohl é uma figuraça. Você pode estar deprimido, de coração partido, e mesmo assim ele vai fazer você relaxar e rir. E isso porque ele está cansado. Passou o dia anterior à série de entrevistas por telefone ao Brasil fazendo surfe na neve. “Foi a primeira vez que experimentei esse esporte. Acabei enfiando o dia inteiro sobre uma prancha até de madrugada. Estou um caco.”
O baterista tem energia de sobra. Segurar a destruição sonora, que na maioria das vezes acaba sendo literal, de um power trio como Nirvana exige muito preparo físico. Ele é o quinto baterista da banda. Juntou-se a Kurt Cobain e Cris Novoselic pouco antes da gravação de Nevermind, que vendeu mais de cinco milhões de cópias nos EUA, vindo da barulhenta banda Scream, de Washington.
Nirvana quer fazer um show memorável, sábado no Morumbi. Dave reconhece que o recente fiasco argentino foi um dos piores shows de sua vida. Mas isso foi proposital. Nirvana ficou irritado com o público, que tratou mal a banda de abertura, Calamity Jane, um quarteto feminino que eles prezam muito. Dave quer ouvir bandas do underground brasileiro e ensaiar para o novo álbum, que será gravado em dois meses. Diz não saber nada sobre qualquer viagem as Bahamas ou outra exigência exótica da banda. “Não somos Guns N’ Roses.” Explica, e culpa a imprensa por esses rumores, ao mesmo tempo em que promete não jogar cadeiras em ninguém.
Marcel Plasse: Agora que o Nirvana é famoso, qual a reação da banda diante das garotas gritando e batendo nas janelas dos veículos durante as turnês?
Dave Grohl: A gente se assusta. Não queremos ser rock stars. Nunca esperamos que isso pudesse acontecer. É duro entender porque nos consideram tão especiais a ponto das pessoas gritarem. Não somos os Beatles! Ao invés de ficar num hotel grande, em que todos sabem que estamos, ou ficar circulando num ônibus com um monte de gente gritando ao redor, eu preferia ficar na casa de alguém, como uma pessoa normal. Posso ficar na sua casa?
Marcel Plasse: Claro. Mas, aí como ficam o psicólogo, o cozinheiro, a viagem as Bahamas e o estúdio para ensaios?
Dave Grohl: Eu não sabia sobre nada disso até hoje. Fiquei sabendo quando um jornalista brasileiro me perguntou. É o nosso maior problema. A imprensa, seja ela de que país for, escreve coisas sem checar, mesmo que sejam só rumores. Eu costumo ler coisas sobre a minha banda que nem sequer sonhava. Mas não me importo. Só quero tocar e me divertir. Se dizem que vamos para Bahamas, talvez assim as garotas histéricas vão atrás da gente nas Bahamas (hehehehe)! O que ocorre é que temos seis dias para trabalhar as canções do novo disco. Não sabemos onde vamos fazer isso, mas, como gravamos dentro de dois meses, queremos estar afiados.
Marcel Plasse: O LP vai ser produzido por Steve Albini?
Dave Grohl: É uma surpresa. Tem gente que pensa que é ele, outros que é Jack Endino, ou mesmo Butch Vig. Mas não vamos dizer quem vai ser o produtor, ou negar que não seja um deles. A imprensa odeia isso.
Marcel Plasse: Como estão as novas músicas?
Dave Grohl: São mais simples, as vezes tão heavy quanto em Bleach, as vezes pop, algumas são acústicas. Talvez eu toque guitarra e Kurt bateria. O disco, que ainda não tem nome, não vai soar como Nevermind. Só vamos ficar duas semanas no estúdio, para não ferrar com tudo. Queremos uma produção rústica, como nos discos dos anos 60.
Marcel Plasse: Vão abandonar a influência new wave que é tão evidente em Nevermind?
Dave Grohl: Adoramos new wave. Algumas das melhores canções já feitas são new wave. Estamos mais próximos dela do que do rock’n’roll convencional de grupos como Guns N’Roses, que é uma coisa machista e idiota. Você é o primeiro a perceber essa influência. O mais legal nisso é que nos diferencia do que chamam de som de Seattle. Porque lá há bandas como Nirvana, TAD, Melvins e Mudhoney, que tem um espírito punk. E há Queensryche e Pearl Jam, que são convencionais. Não existe um som de Seattle. As bandas são muito diferentes entre si. A imprensa inventa essas coisas, como inventou a história de ódio entre Nirvana e Pearl Jam. Nós não nos odiamos. A gente não gosta da música deles, mas não tem nada contra as pessoas. O cantor, Eddie, é até um cara legal.
Marcel Plasse: E quanto a Alice In Chains?
Dave Grohl: Ops! Esqueci deles. Alice In Chains é mais rock. Você vai poder ver a diferença, comparando os dois shows.
Marcel Plasse: O que aconteceu na Argentina? Vocês ficaram loucos com a platéia por causa de Calamity Jane?
Dave Grohl: Yeah. Foi estranho, porque o público ficou atirando coisas na Calamity Jane, enquanto gritava Smells Like Teen Spirit. Eles só queriam ver Nirvana. Então, não tocamos a música que eles mais queriam. Eu sabia que o show estava sendo horrível, e me senti mal por isso, mas por outro lado me senti lavado pela maneira como eles trataram Calamity Jane. Porque, uma das coisas básicas para Nirvana é abrir a cabeça das pessoas para outro ripo de música, fazer com que as pessoas conheçam coisas novas.
Marcel Plasse: Você sabia que Jack Endino vai produzir uma banda brasileira? (Titãs)
Dave Grohl: Não. Mas Jack é um grande produtor. A única banda brasileira que conheço é Sepultura. Queria ouvir mais. O que acontece com o underground brasileiro?
Marcel Plasse: Levo uns discos para vocês, se as fãs e os seguranças deixarem.
Dave Grohl: É por isso que quero ir para sua casa! Ei, que tal dizer a todos que fomos as Bahamas?
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